segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Racismo no ambiente escolar e a importância de uma educação antirracista

O ambiente escolar e o sofrimento emocional imposto a crianças negras que vivenciam com o racismo praticado por outras crianças, e validado por educadores que não possuem uma didática antirracista. 

Por Priscila Xavier


                                                                                    Imagem da Internet

A escola e seu universo social representa uma parcela importante da formação da coletividade, nele há um espelho dos hábitos, costumes, crenças e preconceitos existentes de forma estrutural e sistêmica do convívio humano. 

Por isso, é necessário olhar com atenção a forma como as crianças se desenvolvem enquanto seres socias, proporcionar uma educação que não apenas ensine, mas reprima todo e qualquer tipo de preconceito, ainda que seja o mais velado, o racismo estrutural, que nesse contexto se torna ainda mais cruel quando validado por um educador que não assume uma postura antirracista.

Numa visão educacional o ideal é que além do ensino pedagógico o contexto escolar forneça segurança emocional e psicológica para que a criança desenvolva suas habilidades cognitivas e físicas além da personalidade, em mundo ideal, imune de traumas. Mas na prática não é o que acontece, uma pesquisa realizada pela IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) contratada pelo Projeto SETA (Sistema Educacional Transformador e Antirracista) em 2023 apontou que o ambiente educacional é a onde as pessoas negras mais sofrem violência racial, um dado que percorre a educação de ensino básico, médio e superior.

Identificação Racial  

Na última década o racismo tem sido ainda mais discutido e em destaque nas pautas humanitárias e socias do Brasil, o que facilita a sua identificação. O racismo estrutural se camufla de tal forma na sociedade que gerações mais antigas não sabiam se quer reconhecer sua ocorrência, a falta de discussão do tema causa uma invisibilidade do problema, por isso é imprescindível que o educador tenha uma capacitação o antirracista para que além de visualizar o problema, saiba proporcionar um ensino de maneira a prevenir práticas racistas entre crianças e adolescentes.

Juliana Arruda, 38, preta e professora da rede estadual de ensino de Rondonópolis MT, conta que a sala de aula é um espaço heterogêneo de muita diversidade, tanto socioeconômica, como racial e religiosa, e por mais que estejamos falando de crianças, a posição da família reflete fortemente nas ações delas, é como se a criança em sala de aula fosse o reflexo da família.

A educação antirracista não trata apenas de prevenção e repressão, mas também de identificação, consciência de classe, as crianças pretas não sabem se reconhecer como pretas, justamente por terem uma educação baseada na ausência de discussão do tema, algo que nasce no ambiente familiar e é reforçado na escola ao tratar o tema como tabu, crianças e adolescentes tratando e pensando de maneira pejorativa a pessoa de pele preta, a ponto de não saber se identificar. 

Em um país onde temos 56% (dados IBGE 2022) da população brasileira declaradamente pretos ou pardos não é aceitável que exista uma educação que possibilite o não reconhecimento das suas próprias características enquanto indivíduo pertencente a uma sociedade racista, o auto reconhecimento é o primeiro passo para a identificação do racismo velado que vivemos. 

Juliana Arruda aponta ainda que uma das maneiras que usa para fazer esse enfrentamento antirracista é apresentar exemplos de personalidades pretas, livros literários escritos por pretos ou com personagens pretos para que os estudantes possam ter exemplos positivos e se reconhecer como pessoa negra e além disso uma questão que também procura esclarecer e valorizar é o cabelo crespo, quando criança, sofreu muito por ter cabelo crespo, hoje procura sempre valorizar o cabelo crespo, apresentar livros com a temática sempre de forma afirmativa.

Essa postura e didática antirracista infelizmente é tratada de maneira isolada por alguns professores, em maioria professores pretos. Na rede de ensino público de Rondonópolis é ausente uma política formal a respeito do tema, Juliana conta ainda que não há metodologias para a educação antirracista e tão pouco a discussão do tema na formação continuada.

Legislação 

A legislação assegura a duas décadas a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio com a Lei 10.639 alterada em 2008 para 11.645, entretanto a mesma não apresenta a obrigatoriedade dos mesmos conhecimentos nas instituições de ensino superior para os cursos de formação de professores (licenciaturas). Não há disciplinas na grade curricular voltadas exclusivamente para a educação antirracista, dessa forma existe uma formação acadêmica de professores despreparados para lidar com o racismo em sala de aula.


“Não ouviam o que eu sentia ou sabia sobre o conteúdo na escola, não perguntavam sobre minhas experiências ou vivências.” 
Elda Gabrielle, 28 anos, preta.

Em Rondonópolis MT, existe um recorte na responsabilidade da educação do ensino fundamental e médio, em que o estado e o munícipio dividem as obrigações educacionais. A SEDUC (Secretaria do Estado de Educação) atua de maneira recente e tímida sobre o tema, em outubro deste ano criou o Comitê interinstitucional para monitoramento das aplicações de leis antirracistas em escolas do estado. Um levantamento da própria instituição diz que a rede estadual conta com 330.637 estudantes e destes apenas 3.334 se declaram pretos. Já o município restringe sua atuação na educação antirracista a palestras no mês da consciência negra, o que de forma alguma é suficiente.

De acordo com o SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) 20% dos alunos que se declaram pretos ou pardos tem índices de aprendizagem inferiores ao declarados brancos, além disso os maiores índices de evasão escolar também são atribuídos a pessoas pretas ou pardas. 

Autoestima da criança preta 

A autoestima da criança preta é afetada diretamente no ambiente escolar, Fernanda, Psicóloga, 25 anos que atua na Psicologia infantil explica que o racismo sofrido no ambiente escolar pode prejudicar o relacionamento da criança consigo mesmo e com terceiros. Além disso, atrapalha a construção da identidade da criança preta. Desse modo, é persistente a ideia de beleza que é atribuída somente aos indivíduos brancos e diante disso cria-se um padrão de belo: o branco e suas características. Cabelo liso, nariz fino e boca menor passa ser um padrão. Desse modo, o racismo gera na criança negra uma ruptura na construção de sua identidade uma vez que é comum grande parte dessas crianças, principalmente meninas, se submeterem a alisamentos no cabelo para sentirem que estão próximos ao “suposto” padrão. 


“Sempre fui a amiga inclusiva e se algo dava errado no grupo, a culpa era minha, mas desde cedo eu sentia que não poderia me portar como eles, eu sempre tinha que me esforçar mais do que qualquer um, e hoje eu entendo o que era isso.” 
Elda Gabrielle, 28 anos, preta.

No ponto de vista da educadora Juliana Arruda, o diálogo e a reflexão sobre questões raciais pode ser o ponto de partida para a construção de uma educação antirracista. Esse diálogo pode explicitar ações racistas, que por vezes, não são enxergadas como tal na escola e na sociedade, perceber e compreender que muitos estudantes pretos se sentem inferiores e inadequados nas interações sociais, envergonhados do seu próprio grupo racial, pode levar a uma mudança dessa estrutura, que infelizmente promove o racismo. 


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