Composta por Belchior em 1976 e
gravada maravilhosamente na voz de Elis Regina no álbum "Falso
Brilhante", a canção "Como nossos pais" tem sido alvo de
interpretações divergentes na plataforma TikTok, onde jovens conservadores a
utilizam como hino para reafirmar seus valores morais e tradicionais.
Essa controvérsia surge justamente
pela temática central da música: a busca por uma identidade autêntica e livre.
O refrão, em particular, expressa a frustração diante da repetição de padrões,
onde, apesar das transformações sociais, as novas gerações encontram-se
aprisionadas por heranças do passado:
"Minha dor é perceber / Que
apesar de termos / Feito tudo o que fizemos / Ainda somos os mesmos / E vivemos
/ Ainda somos os mesmos / E vivemos / Como os nossos pais."
A canção, embora composta há mais de
quatro décadas, mantém uma forte atualidade. As últimas eleições trouxeram
consigo um discurso de apologia à tortura e a subordinação do Estado laico à
religião por parte de um político que ocupou um cargo de altíssima patente,
essa situação demonstrou a persistência de ideias retrógradas que encontram eco
entre os jovens.
Em entrevista ao professor Pasquale,
Belchior revelou o significado da
música:
"Essa canção surgiu da vontade
de fazer uma crítica ácida e reflexiva sobre a condição mutante do jovem na era
da comunicação e o compromisso político que essa mudança acarreta. [...] Quis
fazer uma canção que ultrapassasse a mera narrativa do conflito de gerações, e
que fosse também pessoal."
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Reprodução TikTok |
Quando grupos conservadores usam essa
música, eles estão dando a ela um novo significado, um que combina com as
ideias deles. É como se eles pegassem a música e a transformassem para servir
aos próprios interesses. Essa disputa por dar um novo significado a algo é
muito comum e a semiótica nos ajuda a entender como isso acontece. Ao estudar
como as palavras e as ideias são usadas, a gente consegue ver as estratégias
que esses grupos usam para defender suas ideias e se fortalecerem.
Dito isso, "Como nossos
pais" denuncia o apego ao passado e o medo do novo. A dor expressa na
letra reside na constatação de que, apesar dos esforços individuais, as raízes
profundas das ideias e costumes são difíceis de erradicar.
Por: Luana Caroline
É fascinante como uma obra de arte pode atravessar décadas e continuar sendo reinterpretada, especialmente em contextos tão distintos como o que vemos hoje com Como Nossos Pais. A apropriação da canção por jovens conservadores revela não apenas o poder da música de ressignificar-se, mas também as contradições que podem surgir nesse processo.
ResponderExcluirA crítica de Belchior à repetição de padrões e ao apego ao passado parece, à primeira vista, se opor às leituras conservadoras que a exaltam como um hino de valorização das tradições. Contudo, essa apropriação também evidencia a complexidade da letra, que, como toda grande arte, permite múltiplas camadas de interpretação. Talvez o maior triunfo de Como Nossos Pais seja justamente sua capacidade de provocar reflexões tão profundas e, ao mesmo tempo, tão plurais. Afinal, a busca por uma identidade autêntica, ainda que conflitante, é um desafio que atravessa gerações e posicionamentos políticos.